O trabalho não remunerado de prestação de cuidados impede 708 milhões de mulheres de entrarem no mercado de trabalho
30 outubro 2024
A responsabilidade pela prestação de cuidados está a excluir e a impedir milhões de mulheres em todo o mundo de aceitar um emprego remunerado e, com o aumento da procura de cuidados decorrente das alterações climáticas e demográficas é urgente a adoção de medidas para apoiar a economia dos cuidados, de acordo com uma nova síntese da OIT.
GENEBRA (Notícias da OIT) - Estima-se que 708 milhões de mulheres em todo o mundo estejam excluídas da população ativa devido à responsabilidade pela prestação de cuidados não remunerados, de acordo com novas estimativas globais da OIT, divulgadas hoje, por ocasião do Dia Internacional dos Cuidados e Apoio Social.
Em 2023, 748 milhões de pessoas (com 15 anos ou mais) não estavam a trabalhar por terem de prestar cuidados a outras pessoas, representando um terço de todas as pessoas em idade ativa que não trabalha. Destas, 708 milhões eram mulheres e 40 milhões eram homens.
As novas estimativas, apresentadas no boletim estatístico da OIT The impact of care responsibilities on women’s labour force participation [O impacto das responsabilidades familiares na participação das mulheres no mercado de trabalho], são baseadas em dados de 125 países. Indicam que as responsabilidades de prestação de cuidados constituem o principal obstáculo à entrada e permanência das mulheres no mercado de trabalho, ao passo que os homens são mais propensos a invocar outras razões pessoais para o facto de não estarem a trabalhar, tais como questões relacionadas com a educação e a saúde.
Esta disparidade acentuada entre homens e mulheres evidencia o papel desproporcionado que as mulheres assumem na educação dos filhos e das filhas, na prestação de cuidados e no apoio a pessoas com deficiência e a pessoas que necessitam de cuidados continuados, na gestão doméstica e noutras responsabilidades de prestação de cuidados.
A nível mundial, cerca de 1,6 mil milhões de mulheres e 800 milhões de homens não estavam a trabalhar, sendo que 45 por cento dessas mulheres e 5 por cento desses homens invocam como motivo a responsabilidade pela prestação de cuidados. Para as mulheres com idades compreendidas entre os 25 e os 54 anos, a proporção daquelas que invocam a prestação de cuidados como motivo para o facto de não estarem a trabalhar aumenta para dois terços (379 milhões de mulheres). As mulheres com menos habilitações escolares e as que vivem em zonas rurais também enfrentam maiores dificuldades no acesso ao trabalho devido à responsabilidade pela prestação de cuidados.
"As mulheres assumem uma parte desproporcionada da responsabilidade pela prestação de cuidados, impedindo a sua participação no mercado de trabalho devido a fatores como baixos níveis de educação, oportunidades de emprego limitadas, infraestruturas deficientes, residência em meio rural e sistemas inadequados de cuidados e apoio. Além disso, as expectativas e normas sociais em torno da prestação de cuidados restringem ainda mais a inclusão das mulheres no trabalho e aprofundam as desigualdades de género" como refere Sukti Dasgupta, diretora do Departamento de Condições de Trabalho e Igualdade.
A nível regional, a percentagem mais elevada de mulheres fora do mercado de trabalho que invocam a responsabilidade pela prestação de cuidados como motivo encontra-se no Norte de África (63 por cento das mulheres fora da população ativa), seguida dos Estados Árabes (59 por cento). Na Ásia e no Pacífico, a percentagem é de 52 por cento, com pouca variação entre as sub-regiões. Nas Américas, a variação é acentuada, com 47 por cento a referirem os cuidados como a principal razão para estarem fora da população ativa na América Latina e nas Caraíbas, em comparação com apenas 19 por cento na América do Norte. Na Europa e na Ásia Central, 21 por cento das mulheres referem a prestação de cuidados como o principal obstáculo, com a Europa Oriental a registar a taxa mais baixa a nível mundial (11 por cento).
"Estes novos dados da OIT evidenciam importantes desigualdades no mundo do trabalho devido à desigualdade na repartição das responsabilidades com a prestação de cuidados e realçam o poder dos dados para melhorar a nossa compreensão da economia dos cuidados. A OIT atribuiu ao trabalho digno na economia dos cuidados o estatuto de prioridade máxima e está a trabalhar no sentido de estabelecer novas normas estatísticas para melhorar os dados relativos ao trabalho de prestação de cuidados", explicou Rafael Diez de Medina, chefe de Estatística e diretor do Departamento de Estatística.
À luz destas desigualdades sistémicas baseadas no género, os membros da OIT adotaram a resolução histórica sobre o trabalho digno e a economia dos cuidados na Conferência Internacional do Trabalho da OIT, em junho de 2024. A Resolução é o primeiro acordo tripartido a nível mundial sobre a questão, abrindo caminho para que os países enfrentem os desafios e aproveitem as oportunidades apresentadas pela economia dos cuidados. A resolução afirma que "uma economia dos cuidados que funcione bem não só apoia os indivíduos e as famílias, mas também contribui para uma população ativa mais saudável, cria emprego e aumenta a produtividade". A resolução também destaca as "barreiras estruturais" que o trabalho não remunerado de prestação de cuidados cria para as mulheres na sua participação, retenção e progressão no mercado de trabalho.
"A forma como os cuidados estão atualmente organizados tende a reforçar as desigualdades sociais e de género que estamos a tentar ultrapassar. A Resolução da OIT sobre o Trabalho Digno e a Economia dos Cuidados apela a políticas e sistemas que contrariem as desigualdades em termos de quem recebe e presta cuidados, eliminem as barreiras que impedem muitas mulheres de entrar, permanecer e progredir no trabalho remunerado e melhorem as condições de todas as pessoas que trabalham na prestação de cuidados e, por extensão, a qualidade da prestação de cuidados", explicou o diretor-geral da OIT, Gilbert F. Houngbo.
A estimativa anterior mais recente, de 2018, apurou que 606 milhões de mulheres e 41 milhões de homens (um total de 647 milhões de pessoas em todo o mundo) não podiam trabalhar devido a responsabilidades com a prestação de cuidados. As novas estimativas, embora não sejam comparáveis devido a alterações metodológicas, confirmam que a responsabilidade pela prestação de cuidados continua a ser a principal razão pela qual as mulheres não procuram trabalho ou não estão disponíveis para trabalhar.
Os dados da OIT mostram que, desde 2018, muitos países fizeram progressos para promoverem a participação das mulheres cuidadoras no trabalho aumentando os investimentos em cuidados e educação na primeira infância. No entanto, num mundo que está a ser reconfigurado pelas mudanças demográficas, com o envelhecimento da população, e pelas alterações climáticas, que intensificam o trabalho não remunerado de prestação de cuidados, é provável que a procura destes serviços aumente. A recente resolução da OIT sublinha a importância de um investimento adequado nas políticas dos cuidados. Este investimento será essencial se quisermos combater a crescente desigualdade e avançar para uma maior justiça social.